segunda-feira, 21 de julho de 2008

BRINCADEIRA NA BEIRA DO RIO

Por: GUEDES, Maria Zenaide


Quando pequena eu morava em Belém do Pará. Minha família ia passar férias numa casa defronte do Rio Afuá, o qual fica cerca de duas horas de barco de Macapá-AP. Nesse ano, o rio estava com a maré bem baixa. Eu tinha uns nove anos de idade e brincava sempre no trapiche na beira do rio, um tipo de píer usado para as embarcações retirarem seus produtos, peixes, legumes, verduras e frutas. Sempre corra para lá a fim de ganhar algumas frutas.
Estava no trapiche brincando quando uma amiguinha minha ficou me pedindo uma mordida do jambo delicioso que havia ganhado do barqueiro. Mostrei a ela o caboclo que carregava os jambos, mas ela ficou com vergonha de pedir e insistia em me atazanar. Aí falei que a jogava no rio se ela me enchesse mais a minha paciência. Ela dizia que duvidava que conseguisse. Eu respondia que sim e ela não acreditava. Terminei de comer e ela me caçoava dizendo "duvido, duvido" e corria. Ia atrás, mas não tinha a intenção de empurrá-la, pois a queda do trapiche na a água seria bem mais alta que nós duas juntas.
Ela insistiu tanto que a empurrei. Quando olhei, ela afundou, botava o pé no fundo e subia, fazendo isso várias vezes. Eu falava para ela se agarrar no tronco, num dos pilares do trapiche, mas ela não saía do lugar. Desci pelo tronco até cair na água. Coloquei-a nas minhas costas e a carreguei até a beira do rio. Ela não sabia nadar, então por que ficava me implicando? Meu pai me viu trazendo-a nas costas e me deixou de castigo por dois dias sem sair de casa. Nos dois dias enclausurados em casa, ela passava pela janela e me dava um jambo escondido.
Mais de vinte anos se passaram e já estava casada, já tinha até um filho com a mesma idade que a gente, na época. Ela confessou nesse encontro que aprendera a nadar e me agradeceu o "empurrãozinho". Hoje, moro no Rio e já tenho uma outra filha de 21 anos. Soube então, no início deste ano, que a Júlia, minha amiguinha, havia morrido afogada, vítima de uma embarcação superlotada que afundara à noite a caminho de Amapá. Que Deus a tenha!

Nenhum comentário: